Robert Pattinson: “Queria ser um herói (e em vez disso, em Mickey 17, morri 17 vezes)”
Enquanto em Mickey 17 ele interpreta um homem que morre e é continuamente clonado, o ex-vampiro mais famoso do mundo nos conta como foi filmar o filme mais louco da temporada ao lado de Bong Joon Ho (sim, o diretor de Parasita). Primeira regra: nunca se levar muito a sério.
Robert Pattinson tem um talento para papéis que desafiam a lógica e a gravidade, tanto a terrestre quanto a emocional. Desde os dias em que era o vampiro atormentado de “Crepúsculo” — o papel que o transformou em um ídolo teen global, mas do qual ele conseguiu escapar a tempo — até os personagens sombrios e complexos de “O Farol” ou “Bom Comportamento”, Pattinson construiu uma carreira baseada em projetos que desafiam as expectativas.
Mas quando teve em mãos o roteiro de Mickey 17, dirigido por Bong Joon Ho, vencedor do Oscar por Parasita, e com estreia marcada para 6 de março na Itália, ele percebeu imediatamente que estava diante de um novo nível de loucura criativa.
“É o clássico Bong Joon Ho: pura tragicomédia, um gênero que quase ninguém ousa mais tocar”, conta Pattinson. “Comédia, ficção científica, tragédia, tudo misturado de um jeito que parece arriscado, mas que no fim funciona. E ainda tem o fato de interpretar duas versões de mim mesmo. No começo, você pensa: ‘Ok, entendi’. Mas aí começa a se aprofundar no roteiro e percebe: ‘Meu Deus, como diabos vou fazer isso?’. Mas Bong, claro, já sabia.”
E assim o ator se transformou em Mickey Barnes, um personagem que ele descreve de forma bem-humorada como “um confeiteiro fracassado”. Ou melhor: “Ele tentou fazer macarons na Terra, mas faliu. Acabou se endividando com gente pouco recomendável e, para fugir dos credores, foi parar no espaço. O problema é que não leu o contrato: assinou para uma vida como clone descartável. Toda vez que morre, é substituído por uma nova versão de si mesmo. É um inferno, mas para ele, ainda assim, é um avanço em relação à sua vida anterior.”
A trama de Mickey 17, inspirada no romance Mickey 7 de Edward Ashton (publicado na Itália pela Fanucci), segue Mickey Barnes, um homem comum que, para fugir dos credores que o perseguem na Terra, assina um contrato para se juntar a uma missão de colonização espacial.
O que ele não entende no início é que seu papel será o de “material descartável”: escolhido para as tarefas mais perigosas, toda vez que morre, é clonado e literalmente reimpresso por meio de uma impressora 3D, com todas as memórias intactas, para continuar a missão.
Mas as coisas se complicam quando Mickey 17, a décima sétima versão de Mickey, após um mal-entendido, descobre que seu clone, Mickey 18, já foi ativado. Os dois acabam compartilhando o mesmo espaço, a mesma missão, a mesma namorada e, acima de tudo, a mesma identidade.
“O maior desafio foi tornar os dois personagens distintos”, explica o ator. “Estamos em uma nave espacial, e não há muitos outros membros da tripulação, então eles não podiam ser muito diferentes dos outros personagens. Mas, ao mesmo tempo, precisavam ser claramente distinguíveis para o público. No fim, percebemos que bastava pouco: um olhar, uma expressão. É incrível como funciona – o público entende imediatamente quem é quem.”
Pattinson não esconde sua admiração por Bong Joon Ho, a quem define como “um gênio com uma visão única”.
“Eu estava extremamente nervoso quando o conheci pela primeira vez”, admite. “Não sabia nada sobre o projeto, e ele é uma figura lendária. Mas nosso encontro foi divertidíssimo: Bong ficava dando voltas na trama sem revelar nada, e tudo era transmitido por meio de um tradutor. Foi um encontro meio bizarro, mas gostei dele de imediato.”
No set, a atmosfera era descontraída, apesar da complexidade do projeto. “Não falamos muito sobre o personagem ou a história”, conta Pattinson. “Jantamos juntos algumas vezes, mas, na maior parte, conversávamos sobre futebol. Quando você está em um set tão grandioso — uma nave espacial gigantesca, um planeta diferente, um elenco e uma equipe enormes — espera-se ficar mais nervoso do que realmente se fica. Mas há algo especial na atitude do Bong: ele está sempre calmo, parece até se divertir com tudo. Ele faz você sentir que nada vai dar errado. Todos confiavam nele, e foi um set realmente agradável.”
Um dos elementos mais envolventes do filme é a relação entre Mickey e sua namorada, Nasha, interpretada por Naomi Ackie.
“Naomi é divertidíssima, imprevisível e selvagem”, diz Pattinson. “Eu nunca sabia o que ela iria fazer. Mas, ao mesmo tempo, ela tem um calor humano incrível. A relação entre Nasha e Mickey é estranha: Mickey nem é completamente humano, e ainda assim Nasha parece não se importar. Ela vai além das aparências de uma maneira extrema. Talvez ela goste só da embalagem e não se importe com o que tem dentro”, brinca ele.
A dinâmica entre os dois personagens acrescenta ainda mais profundidade à história, permitindo explorar temas como identidade, aceitação e amor em condições extremas. Nasha representa uma espécie de farol para Mickey, um ponto de referência em um universo caótico e muitas vezes cruel.
Mickey 17 é um filme que faz rir e refletir ao mesmo tempo, um misto de reflexões filosóficas e situações surreais. Quem é o verdadeiro Mickey? Morrer de fato é apenas um contratempo superável? Será que todos somos potencialmente descartáveis como ele?
No comando da expedição está uma dupla que, graças ao carisma e à atuação, sustenta boa parte do filme: os vilões Kenneth Marshall e sua esposa Gwen. Interpretados pelos excepcionais Mark Ruffalo e Toni Collette, eles são, de certa forma, a versão de Bong Joon Ho dos tecno-políticos à la Elon Musk. E não, não têm qualquer escrúpulo ético, seja na colonização de um novo planeta ou na busca por novos ingredientes para usar na cozinha.
“Bong tem uma perspectiva única sobre o mundo”, conclui Pattinson. “A gente pensa que, para se conectar com um grande público, é preciso alguém muito acessível, mas Bong é um cara incomum. Ainda assim, ele consegue fazer com que todos vejam as coisas do seu ponto de vista, e isso é o sinal de um verdadeiro artista. Todos os seus filmes são incrivelmente únicos, e ninguém mais poderia tê-los feito.”